Escritora tatuiana vence o Prêmio Ruth Guimarães de Crônicas
Cristina Siqueira recebeu troféu por “Conversando com a Monalisa”
Da reportagem
Neste dia 21 de outubro, segunda-feira, 21, a escritora tatuiana Cristina Siqueira recebeu troféu da União Brasileira de Escritores (UBE) pelo primeiro lugar no 1º Prêmio Ruth Guimarães de Crônicas, concurso de abrangência nacional que objetiva “incentivar e valorizar o cronista brasileiro”.
O texto da também poetisa tatuiana, “Conversando com a Monalisa”, foi selecionado para compor a obra “Crônicas Selecionadas”, a ser lançada pela UBE em parceria com a editora E-Galáxia. Ao todo, 20 trabalhos foram selecionados, sendo 21 ao total, por conta de uma menção especial, com prefácio de Joaquim Maria Botelho, filho de Ruth Guimarães.
A solenidade de premiação para os 20 premiados aconteceu no espaço Cine LT3 (um antigo “cinema de rua”), em São Paulo, onde todos receberam certificado de participação e nove exemplares do livro impresso.
Na ocasião, Cristina esteve acompanhada da filha Adriane Siqueira de Proença Singh. Também integraram a cerimônia a editora e escritora Sandra Espilotro e Ricardo Santos Filho, presidente da UBE, que, junto a outros participantes, parabenizaram Cristina.
Sobre a premiação, Cristina comentou: “Sinto-me honrada por ter recebido este precioso troféu de primeiro lugar pela grandeza da homenageada, que tanto admiro, e pela confluência de escritores que se agregam na feliz proposta da UBE de valorizar a língua portuguesa”.
“É necessário ampliar a roda de escritores, oferecer terreno para germinar sementes e fazer florescer palavras. Foi um momento significativo e luminoso na minha trajetória literária, e que se irradie por esta paixão que nutro à língua portuguesa. Neste ano, é a sexta premiação que recebi”, acrescentou.
Ruth Guimarães
Ruth Guimarães, escritora, jornalista e tradutora, nasceu em Cachoeira Paulista (SP), em 1920, e foi uma das primeiras mulheres negras a se destacar na literatura brasileira.
Autora de obras que exploram o folclore, a cultura popular e as tradições do interior, ela ficou especialmente conhecida pelo livro “Água Funda” (1946), “romance que apresenta o cotidiano das comunidades rurais com riqueza de detalhes e sensibilidade poética”. Esse livro, seu primeiro e mais célebre, é considerado um dos marcos do regionalismo na literatura brasileira.
Além de escritora, Ruth Guimarães dedicou-se ao jornalismo e à pesquisa cultural, colaborando com veículos como O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo.
Seu interesse pelo folclore e pela cultura popular fez com que reunisse e publicasse extensa série de estudos e crônicas sobre as tradições brasileiras, registrando lendas, mitos, provérbios e histórias de vida.
Ela também traduziu diversas obras literárias do francês, como “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, e “A Comédia Humana”, de Balzac.
Ruth foi eleita para a Academia Paulista de Letras em 2008, sendo uma das poucas mulheres negras a ocupar uma cadeira na instituição. “Seu legado literário e cultural reflete uma obra comprometida com a preservação das raízes e das vozes da cultura popular brasileira, deixando uma influência duradoura tanto na literatura quanto nos estudos de folclore no Brasil”, aponta a UBE.
Ela faleceu em 2014, aos 93 anos, “deixando um acervo que continua a inspirar estudiosos, escritores e leitores”, conclui a entidade.
Cristina Siqueira
Cristina Siqueira atuou durante 12 anos como articulista do jornal O Progresso de Tatuí, assinando o espaço “Prisma”, de entrevistas, e a coluna “Velozcidade”, dedicada a crônicas sobre o cotidiano de Tatuí.
“O jornal O Progresso de Tatuí representa a primeira escola, onde, acolhida pelo editor e amigo Ivan (Camargo), pude exercer semanalmente, durante 12 anos, um exercício literário”, comentou ela.
“Crônica é um gênero literário bem a cara do Brasil; transita entre a literatura e o registro jornalístico. ‘Conversando com a Monalisa’ é uma crônica lírica, um estilo que adquiri e que resultou no livro ‘Prisma’”, explica Cristina.
A crônica
A autora revela que o texto surgiu quando ansiava conversar com alguém e, no momento, observou uma figura do quadro de Leonardo Da Vinci que lhe chamou a atenção.
“Os personagens desta crônica habitam no meu inconsciente e surgem à tona na inspiração do momento. Desta maneira, esta crônica se revestiu de originalidade e criatividade. Como diz o escritor Gouveia de Helias, nascem do Universo ‘Siqueriano’”, aponta a tatuiana.
“Esta crônica, nas entrelinhas, fala de arte, literatura, política. Faz com sutileza uma crítica social ao atual universo ‘oco’ das celebridades. É uma viagem no tempo com humor e ironia. Características do meu estilo quando escrevo em prosa”, descreve.
Conversando com a Monalisa
Cristina Siqueira
Era escuro ainda, o dia começou na madrugada.
Quem sabe eu acorde agora com o sorriso enigmático da Monalisa loira num cenário de tijolo cru tomando Milk Shake.
Quem sabe eu me desligue do pensamento em círculos e saia para vadiar.
Flanar à toa, ir à padaria, fazer hora para a sessão de Apometria. Respirar, dar trégua ao coração apertado.
Talvez fique menos incomodada com a pomba que voltou a fazer ninho na varanda e rir de mim, debochada. Nunca sei se é a mesma ou é outra, o estrago é o mesmo.
Monalisa com cara de paisagem, ela nem pode imaginar o que se passa pela minha cabeça doida para dar um golpe de ar no “moinho de vento” do Dom Quixote. Eu sem Sancho Pança que cansou de dar moral a literatura.
Estou out sider, olhar perdido, jeans rasgado, detonando o tempo, ouvindo a conversa paralela entre Janis Joplin e Jim Morrison. E de repente enfiada com Cortazar em uma mansarda em Paris escrevendo o Jogo da Amarelinha.
Tudo a ver com tudo.
Nada a ver com nada.
Num sábado à noite recebi visitas de celebridade de fato, Monalisa, Frida Kahlo, Vênus de Boticelli e a Moça do Brinco de Pérolas de Veemer. As belas são o assunto desta conversa que nem sei onde vai dar.
Claro está que depois da balada de sábado à noite elas dormiram hoje até mais tarde.
E o dia já ia alto, aqui em casa o assunto era música clássica. Nem a Monalisa imaginaria que a Arte é este desdobrar sem fim. Não há limite para a beleza se expandir. Estamos em 2024. E Monalisa ainda acontece efervescente por aqui.
Frida Kahlo deslumbrada com selfies e photoshops registra todos os momentos. Depois de terminar com Rivera entendeu de ser feliz. Parou de cantar seu eterno sofrimento que já havia sacramentado em telas. Carma cumprido, não tinha mais por que imortalizar a dor. Iria rever seus temas, mas não renunciaria ao batom vermelho. A bela Vênus que não sabe que é bela por isso bela quase ficou de fora da foto. E a moça com brinco de pérola de Vermeer fez cara de espanto surpreendida pela fama.
E assim correu o domingo, na santa paz de casa.
Fim de tarde abri o Tarô para começar bem a semana. Carta única, um novo ponto de partida. Segredos são para serem guardados na embalagem do silêncio. Não conto para as visitas nem sob tortura. Ouço “Pela luz dos olhos teus” de Jobim, e penso nos olhos cor de Coca-Cola de um anjo que me olha com amor.
Segunda-feira, eu e Monalisa já somos íntimas. Espantei a preguiça da segunda-feira, toda pronta, versão para limpeza. A casa pede cuidados. Pink Floyd me anima. Cloro lava a alma, espano o peso entranhado na vida, passo o esfregão com força nos miasmas dos invejosos. Difíceis de tirar, estão escondidos no oculto. Faço listas de comprinhas básicas, dinheiro curto para o tamanho da inflação. É no supermercado que acerto minha posição política. E Monalisa sorri, não é com ela!
Ir à farmácia, quer chatura maior?
Remédios pela hora da morte, todos reclamam, o mantra é “fazer o quê?”, sem lamento. Se pensar no embrulho perco o que está dentro.
Calor, calor e eu pegando fogo de paixão de viver tudo que posso e devo a mim cumprir o rito dos prazeres, todos. Tenho peninha quando me toco que a vida é curta. E é!
Feliz você Monalisa, sucesso por existir na pequena tela, habitar no Louvre e não receber boletos para comprometer o enigma de seu sorriso.
Sorrio com a Monalisa. A alegria contagia.
E canto enquanto águo as plantas. E danço com a vassoura na mão, meu par da manhã. A pazinha verde, dou graças ao exercício que me obriga a abaixar.
Sobre a cama um pacote de livros, nem é primavera e leio literatura erótica.
Afinal, hoje é segunda-feira e corro, corro para fazer nadinha depois.
A serenidade da Monalisa bebendo seu cafezinho brasileiro chega a ser comovente. Mas por aqui a onda é outra, queria só ver você, Monalisa, enfrentando este calor todo com este figurino de ir ver o príncipe.
Enfim Monalisa, não vou perturbar seu sossego falando de jejum intermitente para você que é de um tempo em que a beleza era das rechonchudinhas e para a fama bastou ter o olhar de encanto de Leonardo Da Vinci, um homem pra lá de interessante, um polímata, aquele que sabe muitas coisas…
Juro que não sei em que mundo Monalisa vive, nossa amizade vem do tempo em que a arte brilhava. Fim de tarde, estou um bagaço e eis que ela surge toda linda e perfumada. Uma mulher não bonita que rouba a cena de qualquer outra que esteja no mesmo ambiente. De fato, uma celebridade. Monalisa é assim, seu sorriso sensual não revela qual o motivo do gozo. Talvez seja o volume dos seios opulentos sem silicone, o brilho do olhar ou o vestido camisola de seda branco. Não sei. Só sei que estar radiante é coisa de mulher que habita em uma tela no Louvre.