Canto cururu de Tatuí tem ações no Ciclo de Cultura na Praça do Museu
“Rubinho Véio” homenageia o cururueiro “Zé Pinto” em cantoria solo
Da reportagem
No sábado passado, 30 de setembro, a praça Martinho Guedes (Praça do Museu) recebeu a tradição popular do canto cururu de Tatuí em um dos mais importantes programas de difusão cultural e formação de plateias mantidos no estado de São Paulo.
O Ciclo de Cultura Tradicional tem como foco o compartilhamento de convivências entre mestres, pesquisadores, agentes culturais e o público em geral, no intuito de “preservar as tradições populares, e mostrar como elas resistem pelas diferentes gerações”.
O público acompanhou, nos arredores do Museu Histórico “Paulo Setúbal”, ações voltadas ao cultivo da cultura tradicional. O grupo de seresta “Seresteiros com Ternura” levou ao palco, montado à frente da antiga entrada do museu, um repertório com samba-canção, samba-choro, boleros, valsas, chorinhos e modinhas.
A exibição do documentário “Raiz e Alma” – Um Registro da Cultura do Cururu em Tatuí”, com direção de William Lima, fotógrafo e produtor audiovisual, mostrou “as mais autênticas manifestações da cultura caipira do interior paulista”, por meio de um compilado de informações extraídas durante pesquisa na qual Lima resgatou a cultura caipira local.
Ele contou que a produção do curta fora feita com um celular “para mostrar às pessoas que se pode fazer coisas bacanas com os instrumentos que elas têm”.
A companhia Nossa Trupe Teatral narrou, por meio de uma intervenção artística, a simplicidade do cotidiano do interior, a partir de personagens caipiras.
Antônio Filogênio de Paula Júnior, professor, pesquisador e fazedor de cultura, mediou um bate-papo entre a empreendedora do turismo rural Cleonice de Andrade, o professor e pesquisador Jaime Pinheiro e o jornalista Ivan Camargo.
Paula Júnior classificou o evento em Tatuí como “extremamente especial”, em razão de a cidade levar o título de Capital da Música e por ter “notáveis cururueiros”.
“Quando falamos em cultura tradicional, estamos falando de uma memória afetiva muito antiga que as pessoas carregam, e algumas se esquecem dela. Então, a gente lembra esse lugar de muito afeto, de muito carinho, de muito acolhimento. E é isso que nós tivemos aqui”, declarou.
Ele relatou como um dos momentos mais impactantes da ação a homenagem ao cururueiro José Pinto de Moraes, o Zé Pinto, que falecera um dia antes do evento e que se apresentaria com os amigos Buenão e Rubinho Véio em um “duelo de cantadores”.
“Trazer essa pessoa que estaria aqui hoje cantando da forma como foi feito, como homenagem, como gratidão a tudo que ele representa, foi impactante para quem estava na organização, para quem participou e para o público que assistiu”, reforçou.
Ele comentou que, apesar de não ter sido a festa que todos aguardavam, a ação foi “profundamente marcante por tocar na cultura tradicional por meio de um jeito especial de alcançar as pessoas, na humildade, gentileza e solidariedade”.
“Isso é ser caipira. É celebrar o cururu. É celebrar o catira. Isso é celebrar a vida; isso é agradecer a Deus. E, assim, é uma cultura tradicional antiga”, concluiu.
O que era para ser um duelo entre três cururueiros tornou-se um solo. Rubens Vieira de Paula, o “Rubinho Véio”, apresentou-se sem os dois amigos.
“Buenão”, que também se apresentaria, não pode comparecer devido a ter sido hospitalizado dias antes. E a festa “prometida” trocou de lugar com as homenagens.
“Foi uma noite diferente. Foi uma noite que, realmente, não tenho tantas palavras para falar, porque foi muito de repente. Estávamos contando com ele (referindo-se a Zé Pinto). Fui lá na casa dele três vezes na semana, acertando tudo para a apresentação ficar boa. Enfim, infelizmente, aconteceu”, lamentou.
Rubinho lembrou do último poema que Zé Pinto fizera dois dias antes de morrer, em que, segundo ele, o cururueiro afirmou que só iria parar de cantar quando falecesse. “E dois dias depois, ele morreu”, relatou.
Ele ainda acentuou acreditar que a raiz do cururu não vai ser esquecida, ao mencionar os mais jovens que estão “cantando e brincando” a tradição.
“Cada um vai pegando o seu jeito. O cururu vai evoluindo também. Não é como antigamente, porque o povo quer rapidez, e não gosta nem que volte repetindo os trechos. Mas, isso não tira a tradição do cururu. Eles (os jovens) vão forçando a gente a mudar”, concluiu.
Para o diretor do Departamento Municipal de Cultura, Rogério Vianna, falar sobre a cultura tradicional é “sempre um grande desafio”, principalmente para uma geração que se relaciona melhor com “aquilo que é moderno”. Voltar na tradição de avós e bisavós, na trajetória de cultura deles, é muito difícil”, observou Vianna.
“Porém, nós conseguimos realizar um ciclo com muita valorização da nossa cultura, com seresta, com espetáculos de teatro, e trazendo o nosso sotaque, a nossa linguagem, que muitas crianças já não conhecem mais”, reforçou.
Ele também falou sobre a importância do ciclo para os fazedores de cultura de tradição, e mencionou a homenagem póstuma a Zé Pinto, ao relembrar momentos da vida do cantor e taxista.
“Infelizmente, nós viemos em um momento muito delicado da cultura de tradição, com a perda irreparável desse mestre da cantoria do cururu, que é o José Pinto de Moraes, conhecido por nós como Zé Pinto”, argumentou.,
“O taxista, que às vezes tínhamos que bater na janela (do carro) para acordá-lo e ouvir o cururu. Uma pessoa que era muito querida de nossa cidade, com mais de 50 anos dedicados à composição, um grande compositor”, concluiu.
Depois de Tatuí, o programa passará pelas cidades de Itanhaém (14 de outubro), Cananéia (11 de novembro) e Taubaté (19 de novembro).